BRUXISMO EM CRIANÇAS
A avaliação das várias formas de bruxismo em crianças e adolescentes requer conhecimento da fisiopatologia desta parafunção, da etiologia e das comorbidades associadas.
CONCEITO
Um grupo de experts definiu o bruxismo como uma atividade dos músculos mastigatórios que se caracteriza pelo apertamento e rangimento dos dentes.
Pode se manifestar durante o sono, por isto, bruxismo do sono (BS) ou durante a vigília ou bruxismo em vigília (BV).
Durante a noite é comum a mandíbula se movimentar de forma abrupta ou repetitiva. Consideramos isto uma atividade parafuncional porque não faz parte da atividade funcional normal, tais como a fala, mastigação e deglutição.
Durante o dia, o indivíduo acordado sustenta os dentes em contato fortemente. É considerado por alguns como um reflexo de proteção com implicações na saúde bucal. O bruxismo fisiológico neste caso tem um papel na manutenção da homeostase e manejo do estresse.
PREVALÊNCIA
A prevalência do bruxismo do sono em crianças e adolescentes gira em torno de 8% a 38%, atingindo um pico entre 10 e 14 anos e depois diminui até atingir a vida adulta.
Pode se manifestar já no primeiro ano de vida de crianças, logo após a chegada dos incisivos de leite. Os estudos não demonstram diferenças na prevalência com base no gênero.
É bastante comum nos indivíduos com déficits intelectuais, desordens do espectro austista e síndrome de Down.
Muitos fatores associados com crianças que fazem bruxismo tem associação com traços de personalidade, ansiedade, TDAH (transtornos do déficit de atenção com hiperatividade). Crianças que fazem uso de medicação para estes transtornos têm maior ocorrência de bruxismo.
DIAGNÓSTICO
O bruxismo pode ser diagnosticado através do relatório dos pais, avaliação clínica, desgastes dentários, EMG (eletromiografia) e PSG (polissonografia). A EMG e a PSG entretanto, são exames importantes quando o quadro da criança inclui principalmente problemas respiratórios ou distúrbios do sono.
CAUSAS DO BRUXISMO
A causa do bruxismo é multifatorial, ou seja, possui muitas causas.
Havia uma crença que o bruxismo é causado por problemas na oclusão dentária, ou seja, causados pela mordida. Entretanto, não há evidências científicas que apoiem esta afirmativa. Nem interferências dentárias ou fatores esqueléticos podem causar bruxismo.
Assim nem todas as crianças com bruxismo têm interferências na mordida e nem todas com interferências dentárias têm bruxismo.
Existe sim uma correlação entre bruxismo e obstrução das vias aéreas.
Hiperplasia das tonsilas palatinas (amídalas) ou das adenoides causam obstrução das vias aéreas e podem levar a apnéia obstrutiva do sono. A respiração bucal é uma característica destas crianças.
Estudos que compararam a incidência do bruxismo antes e depois da adenoidectomia em crianças com obstrução das vias aéreas relataram redução no bruxismo, embora ainda 24% ainda continuavam respiradores bucais.
O bruxismo do sono também é mais prevalente em crianças com asma.
A asma é considerada uma desordem inflamatória das vias aéreas semelhante à rinite alérgica dificultando o fluxo respiratório.
Observa-se que o BS raramente ocorre sozinho. Pais de crianças com BS queixam-se também de respiração predominante bucal. Uma das teorias sugere que existe uma correlação entre bruxismo e apneia obstrutiva dos sono.
Relata-se ainda que o bruxismo é mais intenso quando a criança dorme na posição supina, que é a posição que favorece a obstrução das vias aéreas.
O bruxismo pode ser o resultado da imaturidade do sistema neuromuscular mastigatório, é mais frequente em crianças com distúrbios do sono, como ronco e apnéia obstrutiva do sono.
O pensamento atual é que o bruxismo faz parte de uma resposta aos despertares.
Há uma mudança repentina na profundidade do sono no qual a criança atinge um estágio de sono mais leve ou acorda. Em adultos jovens mais de 8% do bruxismo do sono ocorre durante os estágios 1 e 2, da fase NREM ou fase de sono leve, e 5% a 10% na fase REM, fases de sono profundo.
Despertares frequentes definidos pelo aumento da atividade cardíaca e respiratória tendem a se repetir de 8 a 14 vezes por hora durante o sono. Isto sugere que há um mecanismo relacionado às transições dos estágios do sono que influenciam os neurônios motores e o bruxismo.
Os episódios do bruxismo do sono costumam durar 4 segundos e ocorrem 6 vezes por hora. Na maioria das vezes no estágio 2 e fase REM do sono. Um estudo demonstrou que 60% dos episódios eram acompanhados por despertares e 40% das crianças estudadas tinham também problemas de comportamento.
Embora seja controverso, o sistema dopaminérgico pode também ter um papel no bruxismo do sono. Por isto o uso a longo prazo de medicações que exerçam uma influência no sistema da dopamina como os antidepressivos, inibidores da recaptação de serotonina podem causar bruxismo. Da mesma forma, a hiperatividade também é associada com o bruxismo. O uso de anfetaminas usadas no manejo do TDAH podem ser fatores desencadeantes e torna-se um fator importante a se considerar no tratamento de crianças com bruxismo.
SINAIS E SINTOMAS DO BRUXISMO
Atrição é uma erosão causada pela fricção. As superfícies dos dentes se tornam desgastadas com ângulos vivos.
Os sintomas mais comuns na criança são dor nos músculos da mastigação.
Em alguns casos podem aparecer sintomas de disfunção nas articulações temporomandibulares, dores de cabeça e sensibilidade nos dentes. O sintoma mais comum entretanto é o desgaste nos dentes, injúrias no periodonto, dentes fraturados e até pulpite.
A controversia com relação a associação entre o bruxismo e diferentes formas de disfunções na ATM deve-se ao fato de muitas vezes haverem sobreposição de sintomas na ATM, dores de cabeça e dores nos músculos da face.
TRATAMENTO CLÍNICO
O tratamento ideal envolve um enfoque multidisciplinar destes pacientes e incluem pediatras, otorrinolaringologistas, cirurgiões dentistas e psicólogos, dependendo do caso.
As comorbidades do bruxismo do sono envolvem problemas respiratórios, insônia, déficit de atenção e hiperatividade, depressão e refluxo gastroesofágico.
Na presença de comorbidades é de responsabilidade do cirurgião dentista detectar os danos na saúde bucal dos pacientes e encaminhá-los para o profissional especializado.
O primeiro atendimento deve ser voltado para as questões de ordem médica e as repercussões na saúde da criança.
Estudos com a utilização de dispositivos interoclusais (placas de resina) usados na maxila de adultos tem se mostrado bastante efetivos. Estudos demonstram que após 90 dias de uso, observa-se ausência de bruxismo, diminuição dos movimentos mandibulares e redução do ronco em 50%. Observa-se da mesma forma a eficácia destes aparelhos também em crianças. Entretanto, é importante que se alerte que as crianças estão em fase ativa de crescimento da face, das arcadas dentárias e ainda podem estar em uma fase intensa de trocas dentárias com dentes irrompendo.
Os aparelhos melhor recomendados para esta fase são aqueles baseados nos princípios da Ortopedia Funcional dos Maxilares em que reduzem de forma eficaz o bruxismo e diferentemente dos anteriores não causarão inibição nas mudanças de crescimento tão importantes nesta fase de desenvolvimento.
Quando indicado o ajuste da mordida pode ser tratamento adjunto de grande valia.
Outra recomendação é a utilização de técnicas de relaxamento antes de ir para a cama para reduzir o estresse, a ansiedade e a inquietação. Crianças que caem no sono assistindo televisão ou permanecem com eletrônicos até bem tarde da noite tendem a fazer bruxismo. A higiene do sono para estas crianças as ajudará a reduzir o quadro do bruxismo.
Os maiores desafios são apresentados por crianças com problemas de desenvolvimento. Aquelas sob medicação que possam causar bruxismo carecem de uma troca de informação com o médico responsável.
CONCLUSÃO
O bruxismo na criança pode causar sérios danos ao sistema estomatognático e incluem fraturas dentarias, dores de cabeça, dores musculares e na articulação temporomandibular.
Os Cirurgiões Dentistas devem avaliar a presença de desgastes e fraturas em dentes. Além destes sinais deve verificar em sua anamnese e avaliação clínica o modo da respiração, nasal ou bucal, hipertrofia das amígdalas e possíveis problemas psicológicos para que de forma holística se previna os efeitos danosos na saúde geral e bucal do paciente.
Na presença de comorbidades os pacientes deverão ser encaminhados para outras especialidades médicas para avaliação e possível tratamento de problemas respiratórios, insônia, TDAH, depressão e refluxo gastroesofágico e problemas de ordem psicológica.
Pais e responsáveis devem ficar atentos e observar seus filhos dormindo e levá-los para uma consulta profissional caso suspeite da presença ou predisposição a sequelas do bruxismo e patologias associadas.
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